A humanização da nossa humanidade, que se dá através do dom da carne e do desejo (carne desejante), não acontece de uma forma abstrata, mas histórica, num contexto, na narratividade da nossa humanidade, a qual não está pronta, mas que se faz na cultura. O relacional, o pessoal e o social acontecem na cultura. A idéia de fundo aqui é o DOM da criação, no qual recebemos um corpo, que é carne e, portanto, recebemos também o dom do desejo. No entanto, no contexto da cultura da sexualidade contemporânea, com suas características complexas e sua ambivalência, perguntamos se seria possível pensar e viver a ética cristã da sexualidade.
Hoje, as pessoas vivem a sexualidade a partir da "Revolução Sexual" dos anos 60, a qual tirou muito da culpabilidade, da misogenia, da homofobia, mas que tem muitos limites e ambiguidades. Nesta cultura, o sexo/sexualidade adquiriu uma conotação de divertimento, houve uma privatização da sexualidade (perda da dimensão pública), há uma busca do gozo imediato. Há também uma crise da linguagem, que passa da linguagem ética aos outros campos, como o das ciências e da “sanitarização” da sexualidade (controle de natalidade, DSTs). A própria experiência sexual parece estar também em crise, com uma perda da gravidade ou densidade da experiência, mesmo uma banalização, ocorrendo como que uma “desencarnação” das pessoas em relação à fruição do gozo sexual em seus corpos.
Frente aos limites e crises da sexualidade na cultura contemporânea, nos perguntamos, então, sobre a possibilidade de realizar nossa humanidade na sexualidade nessa cultura. O caminho para isso parece ser a recuperação da simbólica da sexualidade. Nesse sentido, há uma simbólica bíblica do corpo e da sexualidade, que pode reverlar-se supreendente.
(texto retirado e adaptado de minhas anotações das aulas do Prof. Nilo Ribeiro Júnior, na FAJE, em 2006).

A questão norteadora do curso: É possível uma ética cristã da sexualidade? Somos sexuados, e o Filho se fez carne e pessoa. Logo, o seguimento de Jesus Cristo coloca uma atitude diferente frente à sexualidade. A resposta vem pelaarticulação entre a Ética Teológica fundamental e a ética cristã da sexualidade.
A Teologia Fundamental tem uma dimensão de universalidade, porque aquilo que o Cristo revela da humanidade, revela como um todo; revela o sentido da vida humana. O cristianismo não é regime de exceção. A conseqüência disso é que a “humanização de nossa humanidade” se dá com os outros, para os outros no mundo (em instituições justas). A humanização da nossa humanidade se dá no nosso corpo; sendo pensada (na ética cristã) do ponto de vista da sexualidade. Logo, a ética cristã da sexualidade não é regime de exceção.


Mas há também uma dimensão de particularidade: graças à Encarnação, o cristão não se autocompreende senão referido ao Cristo, celebrando em sua vida o Mistério Pascal [1] (Eucaristia e Batismo, notadamente). Como conseqüência, a configuração de nossa vida com o rosto do Cristo (o Outro) se dá através de várias alteridades; as Escrituras, a Comunidade, a Liturgia, o outro. Essa configuração é também uma in-corporação no Corpo de Cristo. E o Corpo de Cristo é uma metáfora da relação esponsal (ou de Aliança) que o Cristo fez conosco e com a Igreja. Assim, a sexualidade cristã tem um caráter sacramental, é vivida como sinal da entrega do Cristo pelo seu corpo, a comunidade cristã.


O caráter sacramental da vida nos lança numa dimensão pneumática. O Cristo, ao nos humanizar, nos diviniza, nos incorpora à Trindade. Temos o Espírito do Cristo e vivemos santificados com O Santo.


Relação da ética cristã da sexualidade com a Dogmática: dependendo do modo como tem sido tratada a Dogmática (Cristologia, Trindade, etc...), tem sido gerada nos cristãos mais uma ética estóica ou gnóstica da sexualidade [2], onde se pode negar o desejo, a erótica e o prazer, que são características do humano. Isso implica dizer que o grande desafio de uma ética cristã da sexualidade é a articulação do per-dão e da Graça do Cristo com o desejo, o prazer, o dom da carne erótica que a humanidade recebeu na criação.


(texto retirado de minhas anotações das aulas do professor Nilo Ribeiro Júnior, na FAJE, em 2006)
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[1] Morte e Ressurreição. A graça do Cristo, o per-dão; o dom da vida do Cristo para nós.
[2] Onde se procura descobrir uma razão (natural) para se pautar por ela.