Autoerotismo

Qual a linguagem cristã sobre o autoerotismo, a masturbação? A partir do estudo da linguagem e do imaginário (narrativas bíblicas, tradição da Igreja e pronunciamentos do Magistério) de gestos concretos de expressão da sexualidade, o juízo moral sobre a masturbação fica matizado. Erotismo tem para nós o mesmo sentido que a palavra "descaminho" no texto de Paul Ricoeur "A maravilha, o descaminho, o enigma". A simbólica da sexualidade emerge dos gestos carnais enquanto vividos, isto é, ação de pessoas vivendo suas vidas. Na simbólica, eles não estão dissecados ou objetivados. Os gestos carnais revelam que a sexualidade é da ordem da afecção, da erótica, pois revelam na sua própria expressividade a dimensão da encarnação; o desejo, a volúpia deixa marcas na carne. A não realização da nossa erótica, do desejo, pode levar ao erotismo.

No percurso desta nossa disciplina, vimos articulando o sentido (humanização da nossa humanidade) e os valores (relação, hospitalidade, fecundidade, não-invasão, etc...) da sexualidade. Assim, a masturbação aparece como ambivalente, porque pode levar da erótica (manter o desejo da carne desejante) ao erotismo (satisfazer, saciar o desejo). Como é do âmbito do desejo, essa ambigüidade pode levar a uma retenção no gozo que pode enfraquecer nossa maturidade afetiva, nossa passagem do narcisismo (fusão em si) ao relacional. Pode solapar a capacidade oblativa da sexualidade humana. Colocando a ênfase no “cuidar do desejo” e olhando para o masturbador, essa aproximação ajuda a desculpabilizá-lo em relação à sociedade, à Igreja e ao “pai” que imputam a culpa. Também ajuda a repensar a masturbação numa cultura do prazer imediato.

Castidade e celibato

O celibato é pensado em termos do nosso imaginário de esponsalidade, fecundidade, graça, dom e perdão. Somente onde há liberdade é que se pode pretender viver a castidade na nossa história de santificação. A história é o acontecer da liberdade na nossa relação com o Santo.
O celibato de Jesus (i) não é marginal, funcional ou mera ascese na Sua vida. Ele é célibe em vista da espera messiânica. Jesus associa sua pessoa ao anúncio da realização das promessas messiânicas. Logo, a visão cristã do celibato (ii) é construída a partir de Jesus, numa re-interpretação do mito adâmico. Se nos patriarcas a fecundidade foi interpretada como geracional e nos profetas em função da promessa de paz e justiça como resultado da fidelidade na espera pela instauração do reinado de Deus, em Jesus-Messias já se chegou à plenitude dos tempos (o tempo messiânico). Se a procriação tinha uma função de espera e gestação do Messias, por viverem os cristãos no tempo messiânico, a procriação geracional fica relativizada, e o celibato pode ser vivido como possibilidade do seguimento de Jesus Cristo. No sinal do celibato o cristão anuncia que o tempo já chegou. Logo, o celibato é sacramental e martirial. E como o seguimento se dá na história, é possível uma ética do celibato, isto é, o celibato é justificável do ponto de vista Cristológico, teológico (criação/redenção/santificação), escatológico, fundamental/trinitário (o Pai revela-se no Filho e este nos dá seu Espírito) e antropológico (re-significação da nossa humanidade pela incorporação em Cristo, ou porque somos re-criados em Cristo Jesus). 
O caráter ético do celibato está no cuidado/responsabilidade por si mesmo (i), para que o corpo próprio seja expressão do Reinado de Deus; pelo celibato do outro (ii), porque o desejo (de bem, do outro, de Deus) me faz querer que o Reino chegue ao corpo do outro; pela responsabilidade com a comunidade (iii), em vista da sua fecundidade. Sem a comunidade, o celibato é estéril, é continência, ou ascese pessoal. Sem a comunidade, o celibato pode ser uma determinação psico-afetiva do modo como se expressa sexualmente a pessoa. Neste caso, assemelha-se a uma desvantagem ou amputação (handicap).