Simbólica da sexualidade e antropologia bíblica - parte 2

E formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma (nefesh/psyche)  vivente (Gn 2, 7)
Deus cria o ser humano “do pó da terra”. Mas ao criar, a terra estava ainda seca, inóspita e sem alimento (Cf. Gn 2,5). Interessantemente, o SENHOR se prepara para criar a humanidade, plantando de antemão um jardim (Cf. 2,8), indicando o caráter amoroso e relacional da intenção de criar o homem e a mulher. Da mundanidade do mundo (pó e matéria) cria a nossa carne (bāśār; sarx ; corporalidade); carne e corpo modelados na transitoriedade do mundo (finitude). Deus cria bāśār quando sopra o seu Ruah e dá à carne o fôlego (néph); então, bāśār  é carne “com fôlego”; carne viva, cheia de alento, animada. Essa carne animada já é corporeidade, carne e psiquismo, ser/alma vivente (cux®n zÇsan, na LXX), distinto da corporalidade da pura matéria. Assim, não há separação entre carne e espírito no ser humano. A carne é inspirada, e pelo fôlego é dotada de fala e pode nomear todo ser vivente (Gn 2,19). [1]
O ser vivente criado por Deus, porém, está separado dele como de resto toda a criação, que se deu num processo de contínuas separações. Deus, que sopra, não se identifica com o (seu) Ruah; Ele se mantém para aquém da sua ação (de soprar), pois Ele é O Santo, o separado. Deus é “Deus mesmo”, e se mantém na sua santidade como Espírito, mas o Ruah  por ele soprado vai como que animando e inspirando – dando vida - para a santidade, que é estar em relação com o Santo. Portanto, a sexualidade, que pela geração perpetua a humanidade através dos tempos, não é sagrada, mas está referida ao Santo, isto é, está no âmbito da santidade. [2]
A carne psíquica, bāśār, carne que respira (néph), é a possibilidade de que a carne se faça palavra. Palavras proferidas, evocarão a Presença, a relação, a aliança com o Santo. Na tradição bíblica, não há distinção entre a alma e o espírito, o ser criado é cux®n zÇsan [3]. No grego, a alma é o princípio vital e o espírito o lugar da inteligência ou razão. Na tradição judaica, porém, alma e espírito estão integrados. A alma humana é o lugar da Palavra, da linguagem, e sua relação com o psiquismo. O homem é uma carne psíquica e não carne espiritual. A carne não é espiritual, mas animada (inspirada) porque recebeu o sopro de Deus, mas não Deus mesmo. Deus se retirou para aquém do sopro; há aqui uma separação. O Espírito (Deus mesmo) inspira (a carne) pelo Ruah (sopro/hálito/alento/espírito).


[1] O termo grego sarx (s‹rz) designa tão somente “carne”, mas é utilizado na LXX no contexto de bāśār (carne inspirada). Por exemplo, em Gn 2,24: "Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne."
[2] Para o ser humano, reconhecer que “Deus é Deus”, é reconhecer sua finitude, mas uma finitude amparada desde a origem no desejo e preparação do Santo.
[3] cux®n = alma, vida, “self” ou ser autoreferido; zÇsan = viver.

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