Simbólica da sexualidade e antropologia bíblica - parte 3

LIMITE, FRAGILIDADE E TRANSCENDÊNCIA


A relação entre a materialidade da carne (sarx) e a carne inspirada (bāśār) se dá pela possibilidade do psíquico na materialidade do mundo e da carne. Bíblicamente, isto é possível pelo dom do sopro do Ruah. Logo, se estabelece uma relação inextrincável entre carne e espírito. Sarx é a mundaneidade da carne, lugar do nosso limite e fragilidade. Somos solidários naquilo que fomos gerados, nesta nossa fragilidade. Mas bāśār traz em si uma ênfase no caráter mais profundo do psiquismo da carne, uma ênfase no sentido, porque tem  relação com o Ruah. Diferentemente, o termo grego tem uma conotação de exterioridade. Vivemos “na carne” porque nosso é o viver no mundo da encarnação ou da finitude do humano, mas, biblicamente, viver “segundo a carne” significa viver desconexo ou em desobediência ao Ruah. Não dar audiência ao espírito que Deus nos deu pelo Ruah é a negação da condição humana de carne psíquica (que se diz na relação com o Ruah de Deus). O lugar da relação entre relação entre sarx  e bāśār é o soma. Soma é o corpo próprio do vivente; ele acontece na medida em que Deus inspira e faz a carne respirar, mas se retira na Sua santidade. Nosso corpo é próprio, é nosso! Nos dá a liberdade circunscrita da matéria na sua relação com o Espírito (autonomia da coisas criadas). Assim, especificamente, o corpo é o lugar da santidade.. É nesse lugar que acontece a personalização, o rosto, porque em relação com os demais humanos, o mundo e Deus. O corpo é a pessoa, lugar de identidade. Interligados sem se confundir, constituindo uma pericorese, estão sarx  (mundandeidade), bāśār (palavra/espírito) e soma (corpo próprio da pessoa; pessoalidade). Assim, é possível que o corpo seja o lugar da santidade, do intercurso/relação com o Santo. Pela palavra/linguagem/espírito, as relações humanas transcendem também a presença imediata da força, da vitalidade, da possibilidade de manipulação, controle e posse do corpo (violência). Esse mesmo fôlego que aponta para a transcendência de nossa fragilidade material, aponta ainda para relações humanas de sentido além da corporalidade, seja ela no âmbito da sexualidade, ou do trabalho, por exemplo.

3 comentários:

  • Antonio Iraildo (Ira) | 18 de abril de 2011 às 11:35

    "O corpo é a pessoa, lugar de identidade". Numa realidade em que corpos são reciclados, usados, abusados... a ética da sexualidade cristã mostra que temos um diferencial, uma alternativa que valoriza e preserva o corpo.

  • Benedito Antônio | 18 de abril de 2011 às 11:41

    Fico a pensar sobre a questão da materialidade da carne e a espiritualidade presentes no ser humano. De certa forma, faz-se presente um dualismo. Daí surge uma problemática de nosso tempo. Ora, para os materialistas o corpo será corpo e pronto, por outro lado, os espiritualistas dirão que o importante é a dimensão espiritual. Porém, a sexualidade e a antropologia bíblia nos dar o direcionamento para entender tal problemática. Ou seja, como diz o artigo “é possível que o corpo seja o lugar da santidade, do intercurso/relação com o Santo”. O corpo é singular e animado. É nosso e próprio. Neste sentido, a presença do ruah de Deus torna o ser humano parte do seu ser. Cabe-nos dar o sentido reto, justo na busca da realização e da felicidade. Pois o corpo é lugar da relação com o outro e com Deus. Possibilidade de dar-se e amar amando-se.

    Enoque Fernandes - 2º Ano de Teologia - FAJE.

  • Germano | 19 de abril de 2011 às 11:12

    Antonio, "o corpo é a pessoa, lugar de identidade", neste contexto de uma antropologia unitária da "carne inspirada". Se a perspectiva for a greco-ocidental-moderna, isto não pode ser dito. O corpo justamente pode ser "reciclado" quando ele é considerado o "suporte" da pessoa (corpo máquina, corpo biologicizado). Nesse sentido, sua percepção sobre a ética cristã está acuradíssima.

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