A fenomenologia dos gestos carnais IV

Penetração e orgasmo

Penetrar relaciona-se ao desejo de ser incluído no mundo do outro. Penetrar é antes de tudo, desejo de ser recebido e ser acolhido. Ninguém penetra se não lhe é dada a permissão que lhe possibilita ser acolhido no mais íntimo ou no segredo do outro. A ambigüidade é a violência, a invasão, o estupro. Na violência, o desejo se retira.
No orgasmo, passa-se do gesto (de um e de outro) a um fato gerado. É onde somos engendrados pelo outro da relação. No orgasmo aparece a nossa maior vulnerabilidade porque ficamos fora-de-si, desnorteados. Aí, nossa “origem” está “nas mãos” do outro. O orgasmo é paroxístico (espasmo), agônico e transgressivo.
Aparece aqui também a fecundidade, porque perdemos as nossas forças para construir um terceiro, criamos algo que ninguém tem posse. É também a possibilidade de surgir um terceiro na relação (relação de não-posse; amor), e pode surgir também um terceiro da relação; o filho. É uma fecundidade onde algo novo aparece, em ambos os casos.
A ambivalência do orgasmo aparece de forma mais aguçada, porque justamente onde somos mais vulneráveis pode-se sofrer mais violência ou se violentar mais. Pode-se ter a tendência de se fusionar ao outro, isto é, perdurar no orgasmo. Esse perdurar ou permanecer pode ser um desejo de eternizar, de sacralizar a sexualidade. Nesse sentido, pode-se ter a tentação de abandonar nossa humanidade finita, pois o especificamente humano é a finitude. Assim, aparece uma necessidade de “voltar para a história”, que traz outras dimensões que não a sexualidade (comunitária, social). Querer permanecer no êxtase da sacralidade do orgasmo implica no nosso desejo de onipotência. Do ponto de vista do sujeito, o perigo é cair no narcisismo (gozo meu)  e do ponto de vista do outro é torna-lo objeto do meu gozo; do ponto de vista da relação/do terceiro, a des-humanização representa a possibilidade do descarte da relação (descartar-se da) ou de descartá-la (romper o terceiro). Ou a des-humanização pode mesmo revelar-se como o descarte do terceiro ser humano ao qual esteve aberta a relação pela fecundidade.

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