Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo?*

Sexualidade e incorporação a Cristo

Como passo teológico em direção à uma ética cristã da sexualidade, somente a compreensão unitária da antropologia bíblica nos permite pensar a incorporação ao Cristo proclamada para a vida cristã no Novo Testamento.

Cristo é para nós Encarnação (i) da vida divina na história, e Redenção (ii) de nossas vidas e história. Como se dá isso? Através da Santificação (iii) em Cristo, na história de nossa liberdade. 
Como pode a ética cristã demonstrar que o homem Jesus de Nazaré, o Cristo, é o caminho para a realização da nossa humanidade? Como falar da salvação universal em Cristo e excluir toda aparência de mitologia, que na visão moderna de mundo se tornou algo insuportável? Como vimos explicando ao longo deste curso, fundamental é que falemos do mito, e não de mitologia, isto é, o mito é um modo ou linguagem para falar de algo que não pode ser reduzido ao discurso conceptualista porque é do âmbito pré-científico, pré-linguístico e pré-jurídico.
Do ponto de vista da Encarnação (i), Jesus assume a condição humana enquanto vive na carne; condição situada, sujeita à finitude. Portanto, o Jesus que vive na carne humana não vive segundo a carne, isto é, não vive na desobediência ao Espírito. Do ponto de vista da Redenção (ii), em Jesus se revela o sentido último do viver na carne, que é entregar o corpo, a sua pessoa; como na narratividade da entrega do seu corpo na Última Ceia – “este é meu corpo dado por vós”. A vida de Jesus é a figura da santidade, sarx/bāśār/soma em obediência originária ao Espírito (o Santo). No calvário ele entrega o Espírito (ele é Filho, Deus mesmo). Na morte do Filho é Deus mesmo que se entrega na humanidade do Filho para salvá-la, isto é, conduzi-la à relação originária: Deus mesmo se dá na nossa carne. Em Jesus Cristo, o Espírito e a nossa carne (Jesus e nós somos solidários na carne) estão em relação originária. Deus se dá como se dá na criação. Na doação do Pai o Filho é gerado eternamente como dom; dom eterno ele é. E assim a reciprocidade da doação se dá no Espírito Santo. Por isso, o Espírito do Cristo está em nós, nos foi dado pelo Filho no Batismo, quando somos imersos na vida/sangue do Filho; por isso o Espírito é santificador, que nos faz permanecer nesta Vida.

Se, porém, Cristo está em vós, embora vosso corpo esteja morto por causa do pecado, vosso espírito está cheio de vida, graças à justiça. E, se o Espírito daquele que ressuscitou Cristo dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós. (Rm 8, 10-11)

A repercussão em nós da encarnação e redenção, é que o homem, essa antropologia do sarx/bāśār/soma, está para a Santificação (iii). Como? A entrega do Cristo na carne coloca um fim no nosso viver segundo a carne. Nós, que somos solidários na carne com Cristo, com ele morremos para a carne (morre a criatura carnal/desobediente) para renascermos e ressuscitarmos pelo seu Espírito/pessoa/corpo entregue na Sua morte (dom; e a 'ação de graças', eucaristia, pelo dom). Somos recriados, divinizados, santificados em virtude da solidariedade do Cristo com a nossa carne. No Batismo nos tornamos membros do Corpo de Cristo; nossos corpos são membros do corpo de Cristo. Fomos in-corporados a Ele, isto é, associados os nossos corpos/pessoas/histórias ao Corpo (unitário) do Cristo, Deus-homem. A unidade do Cristo (Espírito/pessoa/corpo) faz a nossa unidade em Deus: a santificação.
Vivendo em Cristo, isto é, no mesmo Espírito que anima o Cristo, a presença desta vida divina no corpo carnal tem sua complexidade. É preciso evitar a naturalização da vida divina (uma vez que a sexualidade é o lugar do dom então Deus estaria nela. Não.) e toda divinização da vida natural (como a entrega de um para o outro é Dom então Deus, que é Dom, faz a vida carnal ser divinizada. Não.)
Fomos, pelo dom do Espírito, incorporados ao Cristo, mas nós vivemos “na carne” e esse viver é a vida ética. O Corpo de Cristo tem muitos membros, isso quer dizer que nossa incorporação se dá historicamente numa comunidade de pertença. Essa comunidade tem a responsabilidade de nos recordar o sentido do nosso corpo. Eis a relação entre a vida no Espírito e a vida ética.

(*) 1Cor 6,15
Figura: O Cristo ressuscitado e nu de Michelangelo, isto é, o corpo ressuscitado, vivente.

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